No famoso conto “O presente dos magos”, O. Henry (pseudônimo com que se celebrizou o escritor William Sidney Porter) conta a história da jovem Della, que tem menos de dois dólares para comprar um presente para seu marido Jim. Ao passar em um salão, ela decide impulsivamente vender seu cabelo longo e abundante, pelo qual recebeu vinte dólares. Della queria comprar uma corrente de platina para o estimado relógio Rollex de ouro dele. Foi numa relojoaria e, tão logo a viu, soube que tinha de ser de Jim; e era digna do relógio.
Quando chegou em casa, ao olhar-se no espelho, vendo o “estrago”, orou quase inaudivelmente: “Oh, Deus, por favor, fazei o Jim achar-me ainda bonita”.
Seu marido Jim, por sua vez, queria também dar um presente a sua jovem esposa, mas também não tinha dinheiro suficiente. Então, naquele momento, decide vender o relógio para comprar um presente para ela: um jogo de escovas especiais de legítimo casco de tartaruga, orlados de pedraria — da cor exata para combinar com o lindo cabelo, que Della desejara havia muito numa vitrine da Broadway.
Os dois terminam abraçados, fazendo jus à crônica de um jovem casal entolecido pelo Amor, que de maneira “insensata”, sacrificaram, um pelo outro, os maiores tesouros de seu lar. Desse modo, o conto trata sobre a espontaneidade de fazer algo extravagante, não importando o quão tolo possa parecer à primeira vista, nem o quanto custe, ou mesmo o que os outros venham a dizer, mas cuja atitude por si só visa a valores que o coração não deixa calar.
Vez por outra, é provável que nos achemos fazendo algo parecido: vamos em frente e esvaziamos a carteira porque determinado presente seria perfeito para alguém a quem amamos. Nessas horas não importa se, simultaneamente, haja sempre alguém indagando o porquê de tanto desperdício.
Com atitudes desse porte o mundo se torna mais belo, a vida parece mais lúdica e menos séria, a despeito das pessoas mesquinhas que utilizam sua métrica minimalista, egoísta e castradora para desafiarem a generosidade de um coração agradecido.
Jesus foi alvo de uma atitude de extrema dedicação de amor que desencadeou críticas veladas dos egoístas de plantão, como indica o texto bíblico:
“Estando ele em Betânia, reclinado à mesa, em casa de Simão, o leproso, veio uma mulher trazendo um vaso de alabastro com preciosíssimo perfume de nardo puro; e, quebrando o alabastro, derramou o bálsamo sobre a cabeça de Jesus. Indignaram-se alguns entre si e diziam: Para que este desperdício de bálsamo? Porque este perfume poderia ser vendido por mais de trezentos denários e dar-se aos pobres. E murmuravam contra ela.”
Contudo, Jesus entendeu a grandiosidade de seu gesto e, na contra-mão da maioria, disse: “Deixai-a; por que a molestais? Ela praticou boa ação para comigo. Porque os pobres, sempre os tendes convosco e, quando quiserdes, podeis fazer-lhes bem, mas a mim nem sempre me tendes. Ela fez o que pôde: antecipou-se a ungir-me para a sepultura. Em verdade vos digo: onde for pregado em todo o mundo o evangelho, será também contado o que ela fez, para memória sua” (Mc 14.3-9).
Que gesto lindíssimo e impulsivo de extrema gratidão de uma pecadora perdoada! Pela avaliação humanamente egoísta, foi uma coisa tola de se fazer e demonstradora de extravagante desperdício de 30mil reais. Contudo, Jesus ficou tão profundamente comovido que profetizou que a história da impulsividade generosa dessa mulher seria contada e recontada ao longo das gerações até ao fim dos tempos.
Essa narrativa indica que, historicamente, sempre existirá lugar real para o impulsivo e o espontâneo, sempre haverá espaço para a generosidade que não seja estritamente necessária, sempre haverá oportunidade para o heróico e o extraordinário, para as incontroláveis e incalculáveis explosões de generosidade, cujas atitudes visam unicamente a dizer o quanto vale a pena expressar, mesmo que em gestos extravagantes, o amor que inunda a alma.
Só o amor pode ser assim extravagante. Tanto é assim, que Deus amou o mundo de maneira tão extravagante que nos presenteou o Seu único Filho para morrer por nós para nos salvar. Precisa dizer mais?
Samuel Câmara
Pastor da Assembleia de Deus em Belém