Em seu livro Notas do Submundo, Fiodor Dostoievski escreveu sobre os segredos que o coração pode escamotear, coisa que todos sabem, mas nem sempre gostam de admitir: “Há certas coisas no passado de um homem que ele não conta a todos; conta, talvez, a alguns amigos. Há outras coisas que ele não conta nem mesmo para os amigos; contaria, talvez, para si mesmo e, ainda assim, em segredo. E, finalmente, há coisas que ele teme falar até para si mesmo, e todo homem decente acumula coisas como essas no coração”.
O rei Davi teve de se defrontar com essa “intocável” realidade dos segredos mais íntimos do seu coração. Ele sabia que havia coisas que todo o povo de Israel conhecia: suas vitórias e derrotas, suas virtudes e defeitos, sua retidão e pecados. Mas havia outras coisas que só ele sabia. E teve de admitir que essas coisas, mesmo encobertas nas fronhas de sua alma, Deus também as conhecia.
A diferença entre o que Dostoievski retrata e a maneira como Davi enfrentou essa questão é absolutamente interessante.
No Salmo 139, o rei Davi escreveu:
“Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me assento e quando me levanto; de longe penetras os meus pensamentos. Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e conheces todos os meus caminhos. Ainda a palavra me não chegou à língua, e tu, Senhor, já a conheces toda. (…) Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face?”
Davi primeiro reconhece que Deus é Onisciente, Ele sabe tudo. Nada pode ser encoberto diante dos Seus olhos, que a tudo perscrutam. Mas Davi, em vez de tentar fugir de Deus, acha-se incapaz de fazê-lo. Ele sabe também que Deus é Onipresente, está em todo lugar.
Davi acrescentou:
“Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá. Se eu digo: as trevas, com efeito, me encobrirão, e a luz ao redor de mim se fará noite, até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa”.
Davi sabia que até mesmo no quarto mais escuro, nos momentos de agonizantes trevas emocionais, nas ocasiões quando a alma está sucumbindo porque não tem mais luz, quando todas as esperanças já se apagaram, ali mesmo a mão do Senhor estava disponível para guiá-lo. Ele sabia que “Deus é luz e não há Nele treva alguma”. E a luz de Deus, em vez de subjugá-lo, vem para libertá-lo da dor da solidão escurecida da alma que sofrera um apagão espiritual.
Quando Davi sai de sua escuridão existencial, começa a reconhecer a grandeza de Deus em outra dimensão: Deus não só sabe tudo e está em todo lugar, mas também é Onipotente, Ele pode tudo. E escreve:
“Pois tu formaste o meu interior tu me teceste no seio de minha mãe. Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem; os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra”.
O mais interessante é que Davi não pensa na Onipotência de Deus como a expressão de uma estrondosa força cósmica intergaláctica; antes, pensa no seu interior e no modo assombroso como Deus o formou. O cosmos exterior não era mais notável que as complexidades do seu ser interior.
Ele expressou então que o seu futuro estava nas mãos de Deus:
“Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda”.
Diante disso, irrompe em louvores, reconhece os pensamentos de Deus a seu respeito como “preciosos”, longe da mesquinhez da religiosidade esmagadora. Então, Davi escancara o coração e pede a Deus:
“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno”.
Davi demonstrou essa enorme confiança em Deus porque sabia que Deus não era contra ele; o pior inimigo de Davi, nesse caso, podia ser ele mesmo, não Deus. Tampouco Deus é contra você; antes, Ele quer que você o conheça, enquanto também se conhece melhor e aprende a lidar com os segredos do seu coração.
Agora, sabendo você que Deus conhece os segredos do seu coração, mas não lhe rejeita, como você vai proceder: vai se voltar para Deus, como o fez Davi, ou vai abafar as vozes do seu coração e tentar fugir da presença de Deus?