A doença do sono é causada por um parasita, cujo hospedeiro é uma pequenina mosca chamada tsé-tsé. Quando a mosca pica uma pessoa, lhe transfere um parasita que, lenta e seguramente, se multiplica no seu sangue. É uma doença indolor que produz entorpecimento, sono e, eventualmente, a morte. Nos rincões da África Central, muitas pessoas são costumeiramente afetadas por esse mal. Os registros indicam que numa epidemia, nos idos de 1904, mais de 100 mil pessoas morreram apenas em um distrito.
Antes das causas da doença do sono serem conhecidas, as pessoas não viam ligação entre as picadas das moscas e a morte resultante, e não se davam ao trabalho de espantá-las. Depois de descobrirem a causa, as autoridades competentes iniciaram um programa de erradicação da doença, começando pela limpeza das áreas em volta das casas. Eles cortaram o mato e borrifaram veneno nos ninhos dos insetos, transformando o ambiente num lugar onde a mosca não poderia sobreviver.
A corrupção é como a mosca tsé-tsé, espalhando uma doença que cria uma espécie de “sono moral” na sociedade. Qual é o remédio? Como poderemos nos livrar desse mal? A resposta, a princípio, é simples: criar um ambiente de limpeza moral. O caminho para engendrar tal limpeza é mais difícil de definir.
No âmbito pessoal, é preciso limpar e arejar a alma através da confissão e abandono dos pecados, do amor ao próximo e da obediência a Deus. As moscas do pecado e da tentação não irão influenciá-lo, muito menos matá-lo, se você mantiver a vida limpa diante de Deus e das pessoas. Parece fácil, mas custa muito caro, pois cada indivíduo terá de confrontar a si próprio.
No âmbito público, por definição, a corrupção é excludente: ela promove os interesses de uns poucos e prejudica a maioria. Por isso, a sociedade precisa se unir e se utilizar de todos os meios para efetivar a limpeza necessária.
Sabe-se que, historicamente, as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) brasileiras quase sempre “terminam em pizza”, ou não dão em nada, porque sua motivação não é de natureza moral, e sim de revanchismo político. Por isso, muita coisa ainda é varrida para “debaixo do tapete” da conivência.
No Brasil de sempre é isto que acontece: Aos amigos do rei, a proteção da lei. Aos opositores, cortem suas cabeças. E soltem os condenados quando o rei precisa de marionetes.
Assim é que e o mundo dá voltas e, então, novas denúncias virão, novos fatos de corrupção serão descobertos; e mais uma vez o ciclo retornará. O pior é que a confiança do povo nas autoridades públicas fica minada e a nossa esperança de justiça social totalmente comprometida.
O que fazer então, se os caminhos tradicionais de investigação e punição dos culpados não se mostram tão eficientes como deveriam?
Na África do Sul, para ajudar a curar as feridas deixadas pela injustiça racial do apartheid – um tipo visceral de corrupção moral movida a preconceito – o governo estendeu a anistia ampla e irrestrita a qualquer cidadão que confessasse os crimes cometidos. Havia o entendimento de que o caminho das punições e retaliações só aumentavam as mágoas e alargavam a cisões sociais.
O povo respondeu positivamente e, assim, muitas atrocidades foram reveladas em detalhes. Algumas famílias souberam pela primeira vez “quem, o que, onde, quando e como” seus entes queridos foram mortos. Houve quem encobrisse suas confissões com a justificativa de que “apenas cumpria ordens”. Mas, em geral, houve arrependimento, confissão e perdão, com genuínas restaurações.
Ao exporem suas mazelas, seus pecados e ódios, eles puderam confrontá-los e, finalmente, se habilitaram à cura, cujo processo ainda continua.
Ponho-me a pensar se esse não seria um caminho a ser trilhado no Brasil, que ainda hoje dorme o seu nefasto “sono moral” em berço esplêndido por causa da mosca tsé-tsé da corrupção. A confissão de pecados funciona no âmbito pessoal e já foi testado com relativo sucesso no âmbito público.
Parece simplista, mas não é! Ora, pense bem! Provavelmente, como fruto desse pacto social e choque de sinceridade, com a confissão e devolução do produto ao estado e posterior anistia, colheríamos os frutos de serem expostos os meandros da corrupção; e, consequentemente, leis mais eficazes poderiam ser elaboradas e os caminhos da corrupção veementemente dificultados.
Esse pacto social e choque de sinceridade talvez acabasse por nos acordar desse maldito sono moral tupiniquim e ajudasse a manter os nossos olhos bem abertos para vivermos o melhor da vida.
Acorda Brasil! Antes que a “mosca tsé-tsé da corrupção” finalmente nos mate!